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Abandono material, intelectual, afetivo: uma análise sob os aspectos cível, penal e suas sequelas em breves considerações
Abandono material, intelectual, afetivo: uma análise sob os aspectos cível, penal e suas sequelas em breves considerações.
Kelly Moura Oliveira Lisita [1]
Resumo
O presente artigo tem por escopo discorrer sobre o abandono material, afetivo e intelectual, abordando os aspectos cíveis, penais e as consequências para as crianças e os adolescentes.Esse tema tão cotidiano é responsável por inúmeros conflitos vivenciados por muitas famílias brasileiras.Infelizmente é notório o referido abandono em desfavor de crianças e adolescentes e tal fato ocasiona prejuízos não só de ordem moral, mas principalmente emocional.É cada vez maior o número de jovens que desenvolvem sentimentos de rejeição e baixo-estima em decorrência da ausência daquele (a) pessoa que deveria dar-lhe amor e atenção.Pais e mães tem dever legal e moral no trato para com seus filhos,tem responsabilidades conjuntas para toda uma vida.
Palavras-chaves: Abandono, afeto, sentimento, família, rejeição.
Abstract
The purpose of this article is to discuss the material abandonment, affective and intellectual, addressing the civil and criminal aspects and the consequences for children and adolescents. This theme is so responsible for many conflicts experienced by many Brazilian families.Unfortunaly,the abandonment of children and adolescents at a disadvantage is notorious and this fact causes losses not only of a moral order, but mainly emotional. There is an increasing number of young people who develop feelings of rejection and low esteem due to their absence (a) person who should give you love and attention rejection and low esteem due to their absence (a) person who should give you love and attention.
Keywords: Abandonment, affection, feeling, family, rejection
1-Introdução
O presente tema aborda aspectos não apenas jurídicos como também de natureza emocional.
Toda e qualquer forma de abandono é indubitavelmente dolorida e inquestionavelmente marcante para quem figura no polo passivo de uma relação por vezes carente de atenção e cuidados.As consequências são mais consideráveis porque envolvem crianças e adolescentes.
O abandono afetivo, material e o intelectual são assuntos sérios e merecedores de muita atenção e análise minuciosa por que geram sequelas de natureza física e psicológica para muitas pessoas e envolvem não somente a questão financeira como também a emocional.
É cada vez mais presente o número de jovens acometidos por sequelas psíquico-emocionais decorrentes das espécies dos referidos abandonos acima citados.
Inegavelmente é assunto de suma importância porque fere direitos, ”atropela” sentimentos e gera danos ás vezes irreversíveis por parte das vítimas, haja vista cada pessoa ser única e absorver de formas diferenciadas o que lhes acontece.
Filhos são para a vida toda, a responsabilidade de ser pai e mãe tem início já com a gestação.
2-Abandono intelectual e abandono material
O denominado abandono intelectual é um crime tipificado no artigo 246 do Código Penal e ocorre quando o pai, mãe ou responsável legal deixa, sem justa causa, de garantir a educação primária de seu filho.A objetividade jurídica recai sobre o direito dos filhos menores de terem acesso à informação,ao aprendizado,à cultura.Válido destacar a expressão “justa causa”como elemento normativo do tipo penal,para a caracterização do delito e aplicabilidade da pena.A tentativa ou conatus não é admissível para esse crime.
Já por educação primária acredita-se que a idade escolar é compreendida dos 04 até 18 anos incompletos.
Já à luz do artigo 1.634 do Código Civil compete aos pais em relação aos filhos menores, dirigir-lhes a criação e a educação,exercendo por sua vez o poder familiar cumprindo com seus deveres e direitos no que pertine aos filhos menores ou maiores incapazes.Seja na guarda unilateral como na guarda compartilhada ambos genitores devem zelar pelos filhos e ser garantes dos mesmos em todos os sentidos:de proteção e responsabilidade.Poder familiar é expressão atualmente utilizada para denominar o conjunto de deveres e direitos dos pais na criação de seus filhos.
Antigamente era usada a expressão “pátrio poder” ao invés de poder familiar.Quando a responsabilidade recai sobre algum parente dizemos haver a “Autoridade Parental”. Outras pessoas ao exercerem a tutela ou curatela detém a chamada responsabilidade legal, independentemente se são parentes ou não.
A tutela e a curatela são denominadas de múnus público e decorrem do princípio da Solidariedade para o Direito de Família, enquanto a primeira protege o menor cujos pais foram destituídos do poder familiar, foram declarados ausentes ou ainda vieram a óbito, a segunda protege o maior incapaz de forma transitória ou não.Ambos institutos são deferidos em ações judiciais próprias.
É importante mencionar que é constitucional o direito de todos à educação dentre outros. Pais e mães tem a obrigação no âmbito moral e legal de matricularem seus filhos em idade escolar, de acompanharem-nos em tarefas e reuniões escolares, o artigo 227 da Constituição Federal explicita de forma clara o dever da família, do Estado e da sociedade.
O artigo 244 do Código Penal descreve o abandono material que consiste na recusa de forma injustificada daquele que deve pagar,ou seja, de prover materialmente com o necessário para a subsistência da vítima,como deixar de pagar pensão alimentícia judicialmente acordada ou fixada, ou deixar de socorrer ascendente(Pais) ou descendente(Filho) sem justa causa,sendo que a vítima pode ser cônjuge,convivente, ascendente portador de necessidade especial ou maior de sessenta anos,sem excetuarmos o filho menor de dezoito anos ou inapto para o trabalho.A conduta do autor deve ser reiterada e a observação recai no elemento normativo”sem justa causa”.Não se poderia incriminar um filho maior e capaz que é presente na vida dos pais mas não possui muitos recursos financeiros capazes de ajudar-lhes.
Já a pensão alimentícia compreende a alimentação, vestuário, lazer, remédios, materiais escolares e deve ser estipulada analisando o chamado binômio: necessidade de quem a pleiteia e possibilidade de quem vai pagá-la.É, porém, importante mencionar que quando judicialmente acordada, deve ser paga para que não haja a tipificação no 244 do Código Penal, quando de forma injustificada e reiterada o devedor não a cumpre.
Existem três ações ou verbos nucleares que são: frustrar o pagamento da pensão alimentícia, não socorrer ascendente ou descendente gravemente enfermo ou ainda injustificadamente deixar de prover a subsistência da vítima.Trata-se de crime omissivo próprio e que não admite tentativa.
Outra forma de abandono intelectual por partes dos pais ocorre quando os mesmos permitem que o menor frequente casas de jogo ou conviva com pessoa viciosa ou de má-vida, que frequente espetáculo capaz de pervertê-lo, que resida ou trabalhe em ambientes impróprios, que mendigue ou sirva de mendigo para excitar a comiseração pública.Enfim, há várias possibilidades de praticar o delito em questão e não poderíamos deixar de citar que a evasão escolar também é uma das consequências desse delito.
O dolo é o elemento subjetivo, significa que a pessoa autora age de forma intencional, que há o conhecimento da conduta e do resultado, que é lesivo e ainda assim o agente opta pela prática do fato. A questão ainda é mais séria porque envolve sentimentos da vítima e os efeitos acabam por refletir na estima, saúde física e mental da mesma, sem excetuarmos o quão horrendo é o fato em sí.Imaginemos um filho maior e capaz e tendo condições financeiras, não acudir o pai idoso e portador de doença degenerativa como o Alzheimer, não o levar ao médico, não comprar remédio!
E quanta falta de consideração quando o devedor de pensão frustra propositadamente a mesma no que pertine ao filho menor! Alguns devedores largam o emprego só para não a pagar.São demandas envolvendo pessoas que desaparecem para não pagar a pensão ou então mentem em relação a salário, gastos para pedir minoração ou exoneração da pensão.
O assunto pensão alimentícia na maioria das vezes envolve lide entre as partes e infelizmente o devedor de pensão de filho menor esquece que a pensão é direito e não favor e que ainda que o outro genitor tenha boas condições financeiras, sobrevive e com muita força o dever de cada genitor contribuir na criação do filho.Nem a multiparentalidade exclui essa responsabilidade dos genitores consanguíneos.
É de suma importância esclarecer que pagar pensão não é ser pai ou mãe, para criar a prole faz-se necessário a presença, a preocupação e o interesse na vida dos filhos, em seu dia a dia, em seus problemas, conquistas e vitórias.
Existem muitas diferenças entre ser genitor e ser pai ou mãe.Divórcio dissolve a sociedade conjugal e não a que sempre existirá sempre entre pais e filhos e que colocar filhos no mundo e não criar consiste apenas no fato de ser genitor ou ser genitora.Carinho e amor são vividos, são construídos ao longo do tempo, a cada dia, nas conversas, nas trocas de olhares, sorrisos, conselhos e até na “chamada de atenção”entre pais e filhos.
Os relacionamentos maternais e o paternal são formados pela convivência e o apoio, o sustento emocional acima de qualquer coisa.O abandono tem punibilidade e efeitos.
Indubitavelmente todos esses fatos abalam a estima e declaram a olhos vistos que o respeito, o carinho, a gratidão por vezes não tem muito espaço na vida do autor do fato delituoso em questão.
A pena para o abandono material é de um a quatro anos e multa de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no país, não se tratando, pois, de crime de menor potencial ofensivo.Informalmente espera-se a cobrança por parte da consciência do sujeito ativo do delito em questão.
No que concerne ao Direito Civil, não pagar a pensão alimentícia judicialmente acordada ou fixada enseja prisão por até 90 dias do devedor inadimplente, negativação do nome e bloqueio em conta através de ordem judicial.Trata-se de não cumprimento de obrigação de dar, que é civilista e também configura descumprimento a ordem judicial.
No contexto do não pagamento da pensão alimentícia, ressalte-se ainda os chamados alimentos gravídicos ou gestacionais.
Pois bem, a lei 11.804/2008 trata dos alimentos gravídicos, que são solicitados no período da gestação e após o parto são convertidos em pensão alimentícia.Durante a gestação já há a responsabilidade e compartilhamento do poder familiar, medicamentos, exames, consultas devem ser divididos e vivenciados pelos genitores do nascituro, mas sempre importante destacar que a proporcionalidade financeira é inerente a ambos os genitores.
3-Abandono afetivo
O abandono afetivo difere do material e do intelectual, mas aproxima-se muito do mesmo quando por exemplo um dos genitores paga a pensão e não tem o mínimo de carinho pelos filhos, não a procura ou se faz presente na vida dos mesmos.É comum e triste simultaneamente o fato de alguns genitores não pagarem a pensão e consequentemente não serem presentes.
Não existe ainda tipificação para o abandono afetivo. Para algumas pessoas é a forma mais grave de abandono, pois lesiona o estado emocional do jovem.A ausência por exemplo da figura paterna propicia o aumento de casos vinculados à socioafetividade.
A legislação civilista inclusive faz uma observação importante no que concerne a chamada verdade real e verdade biológica.Explicando podemos dizer que a primeira recai sobre a filiação multiparental e a segunda sobre a filiação consanguínea.Lamentavelmente muitas pessoas não conheceram seu genitor ou genitora ,no entanto tiveram a esposa do pai que figurou como mãe ou o esposo da mãe que figurou como o pai e então é mais justo e compreensível que essas pessoas busquem o reconhecimento da multiparentalidade a busca da verdade biológica.Óbvio que existem pessoas que ainda buscam a verdade consanguínea e isso é um direito que lhes confere.
Afetivamente o abandono gera no campo jurídico ação indenizatória conforme o artigo 186 do Código Civil e que é rodeada por questionamentos que envolvem o fato de que ninguém é obrigado ou obrigada a gostar de quem quer que seja, mas há o interesse e o emocional de uma pessoa, seja criança ou adolescente que nada tem a ver com problemas entre seus genitores ou da imaturidade de um deles. O abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia presente, previstos implicitamente na Constituição Federal, que é a nossa Carta Magna.
São tantas mudanças na forma de vida e na construção das famílias que o Direito precisava acompanhar tanta evolução e ampliar seus conceitos, suas idéias, como ocorreu com o justo reconhecimento da multiparentalidade, dos filhos adotivos e sua igualdade com os biológicos, dos conviventes na união estável, dentre outros, uns mais recentes e outros anteriores.
Seja qual for a espécie de abandono, é importante esclarecer que valores morais estão muito além dos financeiros, que ajudam a sobreviver, óbvio, mas não se sobrepõem aos primeiros por não proporcionarem às pessoas nobres sentimentos tais quais: amor, companheirismo e gratidão!
4-Sequelas do abandono e suas vítimas
Ansiedade, o complexo de rejeição, a baixo-estima, agressividade, pesadelos, irritabilidade, isolamento, depressão e até suicídio, sem excluirmos as doenças psicossomáticas como gastrite de origem nervosa, problemas na pele, insônia dentre outras, são consequências geradas pelo abandono.
A depressão é caracterizada como doença, tendo fatores endógenos ou exógenos como seus aliados e não como uma fase em que alguém está deprimido, mas sim depressivo.Estar deprimido pode consistir em estar triste, mas é algo passageiro o motivo dessa tristeza, já estar depressivo é sofrer com a depressão, fase prolongada por sentimentos de tristeza contínua, frustração, ausência de ânimo, de cuidados próprios e requer auxílio urgente do médico psiquiatra.
É importante destacar que a depressão também acomete jovens e não é fase passageira como já dito em linhas anteriores, ou algo desmerecedor de atenção.
Na vida escolar pode ainda ocorrer dificuldade de aprendizagem, desatenção ás aulas, notas baixas e também no processo de socialização com os colegas.
O tratamento então consistirá em sessões de terapia e em casos mais graves a prescrição de medicamentos pelo médico.
Quando for notada qualquer alteração no comportamento do menor, devem os pais buscar auxílio.
5-Considerações finais
O referido artigo buscou de forma singela tratar do abandono material, intelectual e afetivo, embasando-se nas tipificações, nos conceitos de cada espécie de abandono e as consequências geradas pela ausência da pessoa que deveria cuidar e não abandonar.
Acredita-se não haver uma forma de abandono mais grave que a outra, haja vista todas culminarem em desprezo para com pessoas que tem não somente seus direitos assegurados por lei, como também seus sentimentos que são massacrados pela falta de atenção que lhe é ministrada.
A dor na alma não tem cura, não pode ser cicatrizada com remédio, com ataduras e gessos. O estado emocional tem o condão de inclusive alterar o sistema nervoso e imunológico.
Tratamento psicológico e psiquiátrico devem ser buscados e com urgência nessas situações, pois crianças e adolescentes estão em processo de formação e tendem a absorver conflitos.
A consciência de ser pai e mãe e suas responsabilidades deveria prevalecer em uma sociedade composta por muitos jovens que infelizmente são denominados “órfãos de pais vivos”.
Muitos genitores já foram responsabilizados penalmente por matarem suas namoradas gestantes porque matavam para não ter que pagar alimentos gravídicos e posteriormente pensão alimentícia; outros por sua vez até pagam a pensão, mas não tem contato com sua prole e um número cada vez mais considerável além de não pagar a pensão, pratica abandono afetivo e intelectual.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Código Civil Brasileiro.Lei nº 10.406, de 10/01/2002
Disponível em http://www.planalto.gov.br
______, Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940
Disponível em http://www.planalto.gov.br
_______, Constituição da República Federativa do Brasil, do ano de 1988
Disponível em http://www.senado.leg.br
[1] Advogada.Pós-Graduada em Docência Universitária pela UCAM RJ.Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UCAM Prominas.Docente Universitária nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em Educação à Distãncia.Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB GO.
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